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26 de Abril de 2024

"Se assustam quando me apresento como magistrada", diz juíza da 1ª Vara de Porto Alegre

Publicado por DR. ADEvogado
há 6 anos


Desde que assumiu a 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, há duas semanas, a juíza Karen Pinheiro tem duas missões distintas: apreciar e julgar cerca de mil processos de réus que respondem por homicídios e latrocínios e provocar o debate sobre a pequena, quase inexistente, presença de negros na linha de frente do Judiciário gaúcho. Atualmente, dos 671 juízes do Estado, apenas dois são autodeclarados negros. Há 19 anos na magistratura, ela decidiu que é hora de levantar a bandeira das cotas para ampliar a representatividade racial dos juízes no Rio Grande do Sul:

— No Brasil, 54% da população é negra. O Judiciário é um poder de maioria absoluta branca, onde o negro não se vê representado.

Karen aponta para um diagnóstico muito duro da realidade do país: considera o Brasil um país racista, o Judiciário "um poder Imperial" e diz sofrer com preconceito por ser negra e sentar-se na cadeira mais alta na sala. Para ajudar a abrir as portas da carreira, a juíza lidera um movimento dentro do Judiciário que começou a conceder bolsas de estudos a estudantes de Direito negros e sem condições de custear cursos preparatórios para concurso de juiz.

Por que a representatividade do negro entre juízes é tão pequena?

É uma longa história. A história da população negra no Brasil nos faz ficar fora de todos os poderes, não apenas do Judiciário. Saímos da escravidão sem nenhuma cota que nos propiciasse o mínimo de acesso à educação e cultura. Fomos discriminados dentro de um projeto de sociedade, que se criou a partir daquela época, e que é excludente até hoje. O acesso ao emprego se dava apenas para aquelas tarefas de menor complexidade, que exigiam instrução mínima. Não temos um lastro familiar que nos proporcione condições de acessar as carreiras jurídicas. Para ingressar na magistratura, tu tens de, por longo tempo, te dedicar quase exclusivamente a isso. Tem de ter capital cultural elevado. Existe uma expressão que ouvi recentemente e que faz muito sentido: as carreiras jurídicas são carreiras imperiais. E a história do negro não se coaduna com isso. E, claro, vivemos numa sociedade que é racista, que agora vem se reconhecendo racista.

Que situação melhor explica o Brasil como sociedade racista?

Um dos exemplos sou eu mesma. Estou aqui no Judiciário praticamente sozinha. Quando ingresso em determinados ambientes, geralmente entro sozinha, sou eu e toda uma outra população branca. O Brasil tem 54% de população negra. E sou sempre o susto, as pessoas se assustam quando me apresento como magistrada, porque elas não identificam em mim, por ser negra, pessoa que seja capaz de ser juíza.

Pode dar exemplo de um episódio que a senhora viveu?

Ah, vários. Um deles: estava em sala de audiências, em comarca do Interior, sentada na cadeira onde fica o juiz, em posição mais alta. Um advogado entrou, pegou o processo que estava na minha mesa, não falou comigo e começou a folhear. Eu disse: "Por gentileza, o senhor pode me passar os autos porque vou iniciar a audiência?". E ele respondeu com surpresa: "Mas a senhora é a juíza? Pensei que fosse um leigo". Não era porque esse advogado se confundiu. Era, sim, porque se tratava de mulher negra.

O que a senhora fez para superar barreiras e ingressar na carreira de juíza?

Tenho uma história que é exceção e ela não pode servir de exemplo porque só confirma a regra de exclusão. Na linha materna, sou a terceira geração com curso Superior. Para os negros que conseguiram estudar um pouco, o caminho foi o serviço público, onde existe a impessoalidade e a transparência nos atos praticados, apesar de, depois, não haver uma ascensão funcional. Meu avô prestou concurso para uma instituição bancária e passou. Tive a oportunidade de estudar em escola particular. Fiz magistério e comecei e dar aula em escola pública, numa periferia pobre. Quando fui para a escola da Ajuris, consegui bolsa de estudo. Houve muita dedicação, mas também sucessão de acontecimentos que acabaram me beneficiando.

Uma juíza negra à frente de uma Vara que julga processos cujos réus são, em parte, negros. Existe alguma relação nisso?

É complicado dizer isso, mas existe. É diferente o olhar com relação a essas histórias. Não que o meu olhar seja melhor do que o dos colegas. Mas é importante que exista também o olhar a partir de um indivíduo negro, que carrega toda uma história de exclusão, de falta de acesso à formação, que a sociedade entende que seja a melhor e que não os pertence. Na minha formação e na minha personalidade, carrego tudo isso. É importante que eu também traga essa contribuição. O entendimento, muitas vezes, é completamente diferente com relação à fala daquele ser humano (réu). Se você colocar uma mulher da vara de violência doméstica, a maneira como ela vai enxergar será diferente, vai enxergar a partir da sua história. Trazer diferentes olhares, mais plurais, vai compor um sistema de justiça que se aproxima muito mais do que pode ser o justo.

Questiono a legitimidade desse poder a partir do momento em que 54% da sua população não está aqui representada.

KAREN PINHEIRO

Juíza da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre

Mas, de forma prática, como esse olhar diferente pode contribuir para um julgamento justo?

Existem perguntas, formas de aproximação, peculiaridades que talvez uma pessoa não negra não perceba. Não que ela vá fazer uma jurisdição pior do que a minha e vou fazer um julgamento melhor do que o dela. Mas é que a minha história, as experiências que vivi dentro de comunidades negras, me dão essa possibilidade.

A falta de pluralidade racial no Judiciário é ruim?

Sim. A partir do momento em que você tem um Judiciário que não representa toda a sua população, você deixa de fora parcela significativa de vozes que não são ouvidas nos seus anseios, nas suas angústias e na sua história. Mais: essa população não se reconhece nesse poder. Ou seja, você tem um Poder Judiciário branco que jurisdiciona para uma maioria negra, que não se enxerga nele. Ele pensa: não estou ali, essa Justiça não é a minha, não carrega a minha história. Questiono a legitimidade desse poder a partir do momento em que 54% da sua população não está aqui representada.

A senhora defende cotas para negros no Judiciário?

No Judiciário, há anos existem as cotas. Mas, no último concurso para juiz, no ano passado, havia a reserva de 12 vagas para candidatos negros que não foram preenchidas, os concorrentes não atingiram o escore mínimo na prova. Ou seja, não bastam as cotas. Passar no concurso exige tempo de dedicação, dinheiro para a preparação e capital cultural.

É possível fazer algo além de garantir as cotas?

Sim. Presido o conselho do Instituto de Acesso à Justiça (IAJ), e vamos preparar estudantes negros e indígenas para alcançar a carreira da magistratura. Já temos alguns resultados. Acabamos de fazer um convênio com a Escola do Ministério Público que nos concedeu três bolsas*. O Instituto de Estudos Tributários também nos concedeu bolsas para estudantes negros.

(Por Daniel Scola /Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br)

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24 Comentários

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[...] Por que a representatividade do negro entre juízes é tão pequena?"

[...]
A resposta está no fato de pessoas negras NÃO passarem nos concursos da magistratura.
O problema é que queremos sempre dizer que a culpa é da" sociedade racista ", então, alguém passa em concurso e na hora de assumir é impedido pelo fato ser negro, é fantasia isso, basta passar e assumirá, paremos com essa conversa, para tentar justificar algo, que só enganam" secretárias de direitos humanos " pais a fora; nosso país não é racista, temos problemas com a questão, mas, racista ão; outra coisa que observamos nessas questões é querer comparara com a situação norte americana que é uma outra situação, bem como, tudo no nosso país é indicado a tal "cota", estudemos, estudemos, estudemos e cada um passará em qualquer concurso, agora, afirmar que o negro precisa de "cota" por causa de sua cor é dizer que é menos inteligente, o que não é verdade. NÃO DIMINUAMOS O POTENCIAL DO NEGRO BRASILEIRO. continuar lendo

Todo racista prega a meritocracia para defender o privilégio dos brancos. continuar lendo

Ai ai ai Jorge. Assertiva muito complicada a sua. Eu defendo a meritocracia, mas não é por racismo. É por preocupação. Porque eu não quero que no futuro um analfabeto opere meu filho, por exemplo. Como diz o ditado, vc pode botar a pele do coelho no rato, mas isso não faz dele um coelho. Educação ´vem de base e não de cota. O que precisamos é de educação que preste. E o Governo sabe disso muito bem, pois já estamos colhendo os "louros" da lei de diretrizes e bases, que passou a impedir que o aluno repita o ano, por exemplo. E novas gerações já estão sendo alfabetizadas por pessoas que mal conjugam os verbos regulares. Então, como o que não tem remédio, remediado está, esqueçamos a educação. Vamos pegar o atalho das cotas. Já que a maioria das vítimas da péssima educação são os cotistas, então, vamos dar a eles os títulos, como um salvo conduto para serem péssimos no que fazem. Afinal, eles não tiveram opção. E não tiveram mesmo, infelizmente. Mas e as futuras vítimas? Quem serão as vítimas da titulação em massa de quem não detém o conhecimento mínimo necessário para exercer uma profissão? Essa juíza, pelo tempo de magistratura, teve uma trajetória diferente. Não precisou de cotas. Mas os que eventualmente só puderem atuar com ajuda das cotas, estarão mesmo preparados? Eis a questão. Esse é o motivo da maioria das pessoas defender a meritocracia. Não é pra defender privilégio de branco. É pra defender a educação, o preparo, a cultura, a sapiência mínima necessária para o exercício de profissões complexas como magistratura, medicina, advocacia. Se os negros são vítimas de uma péssima educação na rede pública, a raiz do problema está é aí. É aí que temos que mexer. Cortar o mal pela raiz (péssima educação), e não varrer a sujeira pra debaixo do tapete (soltando cotas).

Por outro lado, o Otoniel dizer que nosso país não é racista é até risível. Lógico que quem passar num concurso assumirá. Não é aí que mora o racismo. Aliás, por isso mesmo, entupir o judiciário de juízes negros não vai acabar com racismo. Ilusão. Eu conheço gente racista. O negro pode estar pintado de ouro e até ser presidente dos USA, do Rotary, da Fifa, do que for. Para o racista, é só "um negro metido a besta", porque o racista só enxerga a cor. É isso que o povo não entende. E, de novo, cota não vai resolver. Só educação mesmo. Quanto mais educado é um povo, menos se apega às diferenças. No Japão, existem pouquíssimos negros. Mesmo assim, lá, eles não sofrem preconceito. O cara pode ser o único negro na empresa. E é bem tratado. O cara deu entrevista no Globo Repórter que falava do Japão dizendo, ao ser perguntado, que apesar da saudade da família, amigos e comida, não quer voltar para o Brasil nunca mais. Por que? Porque lá ele não sofre preconceito racial. Que a solidão não é nada. Ele sabe lidar com isso. Que o bom, segundo ele, era andar pelas ruas sem ser apontado como possível ladrão e coisas assim. Chegar no trabalho e ser valorizado. Ele disse que ama o Japão e o povo japonês por isso. E olha que ele era o único negro na empresa e na vizinhança dele. E mesmo assim, lá se sente muito mais igual que aqui, com 54% de negros ao seu redor. Então, não é questão de quantidade de negros ocupando postos de trabalho no alto escalão, mas a qualidade da educação e o alto nível cultural do povo que irá abater o racismo da face do país. E Roma não se fez em um dia. E ficar falando e defendendo cotas só vai atrasar nossa evolução, pois vai demorar 30 anos pra descobrirem que não adiantou nada. Podíamos sim, de imediato, tratar de melhorar o ensino. Aí sim, em 10 anos já daria pra ver muita diferença.. continuar lendo

Realmente parece que ainda vivemos na época da escravatura, um país com 54% da população negra ou parda, e esta porcentagem não é refletida nos cargos altos de empresas ou qualquer cargo público. Em um Estado inteiro apenas 2 Juizes negros é um absurdo. Até em relação da advocacia também é assim, maioria dos advogados são brancos, hoje mesmo tive uma audiência trabalhista tinha a juíza, a escrivã, e uns 7 colegas advogados assistindo a audiência, e achei esquisito pois só eu era pardo, todos na sala eram brancos, no fórum inteiro só tem juizes brancos, essa situação necessita mudar, o sistema de cotas tem que ser melhor aplicado, para que esses 54% de negros no nosso país reflita em todos os cargos. Se abrir o noticiário vai perceber que 90% dos jornalistas são brancos, dos políticos também, parece que negro ou pardo, não tem vez nesse país, realmente lamentável. continuar lendo

54% de negros no Brasil aonde? No último senso a população negra deu 8,2%, só se somar com os pardos que são 46%, ocorre que pardo é pardo e negro é negro, pardo pode ser branco com amarelo, amarelo com índio, negro com branco ou qualquer outra mistura, somando os pardos poderia falar que a população do Brasil é 92% branca ou 46% amarela ou 46% indígena ou 46% mais qualquer cor. continuar lendo

Concordo plenamente, deveria haver uma avaliação mais justa do caso; pois em pleno século 21 esse tipo de situação ainda acontece. Isso é um absurdo. continuar lendo

Raimar Abegg e Rogério Queiroz reduziram a população negra a 8,2 %, a que ponto chega a ignorância dos racistas. Todo racista sente-se incomodado com uma possível justiça racial. continuar lendo

Sr. Jorge quem pensa que é pra me chamar de racista? Não tenho absolutamente nada contra qualquer pessoa por ser de qualquer cor, só estou afirmando com base nos dados oficiais que a população negra indicada pelo colega está totalmente fora da realidade. continuar lendo

Uma pena uma pessoa tão instruída ainda ostentar argumentos tão pobres como a defesa de cotas em um concurso que os requisitos de ingresso são os mesmos para todos os candidatos.

Não entendi por que usaram dados apenas de RS, SC e PR. Ora, entendo que esses são os estados com o maior número de imigrantes europeus, e por conseguinte, talvez com a maior porcentagem de brancos no país inteiro. Por que não utilizaram dados da Bahia, por exemplo, estado com maior percentual de negros do país? Certamente lá existem muito mais juízes negros do que aqui.

É muito malabarismo para justificar o injustificável.

A razão de não termos mais juízes negros é simples: menos negros prestam concurso para a magistratura e/ou menos negros são aprovados no concurso. Não há racismo nisso. Concurso é meritocracia, esforço individual. Querem mudar isso instituindo tribunal racial?

Aquele que prefere o vitimismo à labuta certamente corre o risco de morrer miserável e justificando-se na ideia de que é inferior. Enquanto imperar essa cultura de diminuição do negro e de outras "classes", o Brasil nunca vai dar certo. continuar lendo

Todo racista é contra as cotas. continuar lendo

É lastimável ver o quão medíocre é o nível dos professores hoje em dia. Mais um fruto da pátria educadora. continuar lendo

Concordo texano, falou bem: Tentando justificar o injustificável, nem preciso dizer mais nada. continuar lendo

Onde que um país democrático precisa de quotas com uma mentira e absurdo de se dizer dívida do passado com os negros???? Passado é passado, presente e futuro se faz agora, se a maioria fosse negra então faríamos as quotas de brancos????

Um absurdo atrás de outro nesse país, sem critério e sempre buscando um benefícios para determinadas classes, categorias, géneros e por ai vai, separando cada vez mais o que se diz tentar equilibrar, só tornando um desequilíbrio ainda maior. continuar lendo

David fontana deveria ler alguns livros de história, todo racista prega a falácia da meritocracia. continuar lendo